Autismo

O que o estatuto da pessoa com deficiência garante para os autistas?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), por sua complexidade e diversidade de manifestações, exige uma compreensão aprofundada de seus direitos e garantias legais. No Brasil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), representa um marco fundamental na proteção dos direitos das pessoas com deficiência, e, por extensão, das pessoas autistas. A Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, foi crucial ao reconhecer a pessoa com TEA como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, o que automaticamente as insere no rol de beneficiários das garantias do Estatuto. Este artigo explora as principais garantias e implicações jurídicas que o Estatuto da Pessoa com Deficiência oferece às pessoas autistas, abordando os diversos aspectos de suas vidas e a busca pela plena inclusão social.

O reconhecimento legal do autismo como deficiência e suas consequências

O ponto de partida para a aplicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência aos autistas é o reconhecimento legal do TEA como uma deficiência. A Lei Berenice Piana estabelece essa equiparação, garantindo que as pessoas autistas gozem de todos os direitos e prerrogativas conferidos às pessoas com deficiência. Essa equiparação não significa uma “cura” ou padronização do autismo, mas sim o reconhecimento das barreiras que as pessoas autistas podem enfrentar em sua interação com a sociedade, as quais, se não removidas, podem obstruir sua participação plena e efetiva em igualdade de condições com as demais pessoas.

As consequências desse reconhecimento são vastas e abrangem diversas áreas, desde o acesso à educação e à saúde até o direito ao trabalho e à acessibilidade. Isso significa que as políticas públicas e privadas destinadas a pessoas com deficiência devem, necessariamente, incluir e atender às necessidades específicas das pessoas autistas, promovendo a inclusão e a equidade.

A acessibilidade como pilar fundamental

Um dos pilares do Estatuto da Pessoa com Deficiência é o conceito de acessibilidade, que vai além da mera ausência de barreiras físicas. Para as pessoas autistas, a acessibilidade se manifesta de diversas formas e é crucial para sua participação plena na sociedade. O Estatuto define acessibilidade como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informações e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações de uso público ou privado, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”.

Para autistas, a acessibilidade envolve:

Acessibilidade atitudinal: a remoção de barreiras atitudinais, como o preconceito, a discriminação e a falta de compreensão sobre o autismo, é fundamental. Isso implica em campanhas de conscientização, formação de profissionais e uma mudança cultural que valorize a neurodiversidade.

Acessibilidade comunicacional: Muitas pessoas autistas apresentam desafios na comunicação verbal. O Estatuto garante o direito à comunicação e à informação em formatos acessíveis, como o uso de tecnologias assistivas, pictogramas, comunicação alternativa e aumentativa, e a presença de mediadores quando necessário.

Acessibilidade em transportes: O direito a um transporte seguro e acessível, com prioridade de atendimento e, quando necessário, com acompanhamento, é garantido.

Acessibilidade em espaços públicos e privados: A adaptação de ambientes para reduzir estímulos sensoriais excessivos, a sinalização clara e o acolhimento por parte dos estabelecimentos são exemplos de adaptações necessárias para garantir a acessibilidade para autistas.

O direito à educação inclusiva

O Estatuto da Pessoa com Deficiência reforça o direito à educação inclusiva, que já era garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Para os autistas, a educação inclusiva significa:

Matrícula em classes comuns: As escolas regulares não podem recusar a matrícula de alunos autistas, e a inclusão deve ser promovida por meio de recursos de acessibilidade e adaptações pedagógicas.

Atendimento educacional especializado (AEE): O Estatuto assegura o direito ao AEE, que deve ser oferecido em salas de recursos multifuncionais ou centros de AEE, no contraturno escolar, para complementar ou suplementar a formação dos estudantes com deficiência. Para autistas, o AEE pode incluir intervenções que visem ao desenvolvimento de habilidades sociais, comunicação e organização.

Plano de desenvolvimento individualizado (PDI): Embora não explicitamente mencionado no Estatuto, a prática tem demonstrado a necessidade de um PDI para estudantes autistas, elaborado em conjunto com a família e a equipe pedagógica, a fim de atender às suas necessidades educacionais específicas.

Professor de apoio ou mediador: O direito ao acompanhamento por um professor de apoio ou mediador escolar é garantido quando a necessidade for comprovada, visando à superação de barreiras na comunicação e na aprendizagem.

A saúde como um direito inalienável e especializado

O Estatuto da Pessoa com Deficiência dedica um capítulo à saúde, garantindo o acesso universal e igualitário a ações e serviços de saúde, com foco na prevenção, promoção e reabilitação. Para pessoas autistas, isso se traduz em:

Atendimento especializado: O direito a tratamento especializado e multidisciplinar, que inclua terapias como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicoterapia, é garantido. A recusa por parte de planos de saúde ou do SUS em fornecer esses tratamentos é passível de questionamento judicial.

Diagnóstico precoce: O Estatuto incentiva a identificação precoce da deficiência e a intervenção em tempo hábil, o que é crucial no caso do autismo para o desenvolvimento de habilidades e a redução de impactos.

Reabilitação e habilitação: A garantia de serviços de reabilitação e habilitação que visem ao desenvolvimento de habilidades e à promoção da autonomia e participação social.

Fornecimento de tecnologias assistivas: O acesso a tecnologias assistivas, como dispositivos de comunicação alternativa, é assegurado para promover a autonomia e a participação.

O direito ao trabalho e à inclusão profissional

O Estatuto da Pessoa com Deficiência busca promover a inclusão profissional, combatendo a discriminação e incentivando a empregabilidade das pessoas com deficiência. Para os autistas, isso significa:

Cotas de contratação: Empresas com cem ou mais empregados são obrigadas a preencher uma parcela de seus cargos com pessoas com deficiência.

Adaptações razoáveis: Os empregadores devem realizar adaptações razoáveis no ambiente de trabalho para garantir a plena participação do empregado autista, sem que isso gere um ônus desproporcional. Isso pode incluir flexibilidade de horários, ajustes no ambiente físico ou no tipo de tarefa.

Combate à discriminação: Qualquer forma de discriminação no ambiente de trabalho é proibida e passível de sanções legais.

A proteção social e o benefício de prestação continuada (BPC)

O Estatuto da Pessoa com Deficiência reforça o direito à proteção social, que inclui o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC é um benefício assistencial pago a pessoas com deficiência de qualquer idade que comprovem não possuir meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. Para autistas, esse benefício é fundamental para garantir um mínimo de dignidade e acesso a recursos essenciais.

É importante ressaltar que o reconhecimento do autismo como deficiência para efeitos legais facilita o acesso ao BPC, desde que os demais requisitos sociais e econômicos sejam atendidos.

A importância da conscientização e fiscalização

Apesar das garantias legais, a efetivação dos direitos da pessoa autista no Brasil ainda enfrenta desafios. A falta de conhecimento sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a persistência de estigmas, a ausência de fiscalização efetiva e a insuficiência de recursos para a implementação de políticas públicas são obstáculos a serem superados.

A conscientização da sociedade sobre o autismo e os direitos das pessoas autistas é fundamental para promover a inclusão. Além disso, a fiscalização por parte dos órgãos públicos e a atuação dos operadores do direito são cruciais para garantir que as leis sejam cumpridas e que os direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência se tornem uma realidade para cada pessoa autista, assegurando-lhes uma vida plena, com dignidade e autonomia. O Estatuto não é apenas um conjunto de leis, mas um instrumento de transformação social que visa construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva para todos.

gustavosaraiva1@hotmail.com

Recent Posts

Direito de autistas no Brasil: o que toda família precisa saber

O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em um membro da família, seja criança,…

3 dias ago

Isenção de Imposto de Renda para autistas: Como garantir esse direito?

A isenção de Imposto de Renda (IR) é um benefício fiscal importante para muitas famílias,…

3 dias ago

Autistas têm direito a vaga de estacionamento especial? Entenda as leis

A garantia de acessibilidade é um pilar fundamental para a inclusão de pessoas com Transtorno…

3 dias ago

Benefícios fiscais para autistas: Quais são os direitos e como acessá-los?

A legislação brasileira prevê uma série de benefícios fiscais para pessoas com deficiência, incluindo aquelas…

3 dias ago

O direito à educação para autistas: Como garantir a inclusão escolar

O direito à educação é um dos pilares fundamentais para a construção de uma sociedade…

3 dias ago

Os direitos dos autistas no SUS: Como garantir o atendimento médico adequado

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das maiores conquistas da saúde pública no…

3 dias ago