A legislação brasileira tem avançado significativamente na proteção dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) reconheceu a pessoa com TEA como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, o que as insere automaticamente no rol de beneficiários do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Essa equiparação jurídica garante uma série de direitos fundamentais, como acesso à saúde, educação inclusiva, assistência social e não discriminação. No entanto, apesar das garantias legais, a realidade muitas vezes se choca com a negação desses direitos por parte de instituições públicas ou privadas. Diante de uma recusa, é fundamental saber como agir para recorrer e garantir o acesso aos direitos assegurados. Este artigo explora os caminhos jurídicos e extrajudiciais disponíveis para que as pessoas autistas e suas famílias possam reivindicar e efetivar seus direitos.
O primeiro passo ao ter um direito negado é reunir toda a documentação pertinente. Isso inclui laudos médicos atualizados, relatórios multiprofissionais (psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, etc.), receitas, pedidos de terapias, comprovantes de matrícula, comprovantes de negativas de atendimento (por escrito, se possível), e-mails, protocolos de ligação e qualquer outro documento que comprove a necessidade e a recusa do direito.
É igualmente crucial buscar informações sobre os direitos específicos do autista. A Lei Berenice Piana e o Estatuto da Pessoa com Deficiência são os principais diplomas legais, mas também existem resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para planos de saúde, portarias ministeriais para o Sistema Único de Saúde (SUS) e normativas educacionais que detalham esses direitos. O conhecimento sobre a legislação é uma ferramenta poderosa na defesa dos interesses da pessoa autista.
Antes de recorrer ao Poder Judiciário, é aconselhável tentar resolver a questão de forma extrajudicial. Essa via pode ser mais rápida e menos custosa, dependendo da situação.
Contato direto com a instituição: Inicialmente, tente um contato formal com a instituição que negou o direito (escola, plano de saúde, órgão público). Apresente a documentação e a fundamentação legal para sua reivindicação. Muitas vezes, a negativa pode ser fruto de desconhecimento da legislação ou de um equívoco que pode ser corrigido administrativamente.
Ouvidorias e canais de atendimento: Caso o contato direto não surta efeito, recorra às ouvidorias das instituições. Elas são canais internos de segunda instância para solução de conflitos. Para planos de saúde, a ouvidoria da operadora deve ser acionada. Para instituições de ensino, as secretarias de educação e os conselhos escolares podem ser contatados. Para órgãos públicos, as ouvidorias gerais da União, estados ou municípios.
Órgãos de defesa do consumidor: No caso de planos de saúde ou serviços privados que neguem direitos, o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) pode ser acionado. O Procon atua na mediação de conflitos entre consumidores e fornecedores de serviços, buscando acordos e, se necessário, aplicando sanções administrativas.
Ministério Público: O Ministério Público (MP) é um órgão fiscalizador da lei e pode atuar na defesa dos direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência. É possível formalizar uma denúncia no Ministério Público, que poderá instaurar um inquérito civil, recomendar a correção da conduta ou, em última instância, propor uma Ação Civil Pública. O MP tem um papel fundamental na proteção de direitos difusos e coletivos, buscando garantir que as políticas públicas sejam efetivadas.
Se as tentativas extrajudiciais não forem suficientes, o próximo passo é a via judicial. A judicialização é um recurso válido e muitas vezes necessário para garantir a efetivação dos direitos da pessoa autista.
Advogado especializado: É altamente recomendável procurar um advogado especializado em direito da pessoa com deficiência ou direito à saúde. Esse profissional terá o conhecimento técnico necessário para analisar o caso, reunir as provas adequadas e formular a melhor estratégia jurídica. A atuação de um profissional capacitado aumenta significativamente as chances de sucesso.
Ação de obrigação de fazer: Na maioria dos casos de negativa de direitos (acesso a terapias, matrícula em escola, fornecimento de medicamentos), a ação judicial cabível é a Ação de Obrigação de Fazer. Nela, o juiz é solicitado a determinar que a parte ré (plano de saúde, Estado, escola) cumpra uma obrigação específica.
Tutela de urgência (liminar): Em muitos casos de negativa de tratamento ou acesso à educação, a demora na decisão judicial pode gerar danos irreparáveis ou de difícil reparação à pessoa autista. Nesses casos, é possível solicitar uma tutela de urgência (ou liminar), que é uma decisão provisória do juiz para que o direito seja cumprido de imediato, antes do julgamento final da ação. Para a concessão da liminar, é necessário demonstrar a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Mandado de segurança: O Mandado de Segurança é uma ação específica para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Pode ser utilizado, por exemplo, contra a negativa de matrícula em escola pública ou privada (em caso de vaga compulsória ou contra a cobrança de valores adicionais), ou contra decisões administrativas que violem direitos.
Ação Civil Pública: Em situações que afetam um número maior de pessoas autistas ou quando há uma violação sistêmica de direitos, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou associações legitimadas podem propor uma Ação Civil Pública. Esse tipo de ação busca proteger interesses coletivos e difusos, buscando uma solução abrangente para o problema.
Defensoria Pública: Para aqueles que não têm condições financeiras de contratar um advogado, a Defensoria Pública oferece assistência jurídica gratuita. Os defensores públicos são profissionais capacitados para atuar na defesa dos direitos das pessoas com deficiência, incluindo os autistas.
É fundamental estar atento aos prazos para ingressar com as ações judiciais, embora muitos direitos da pessoa autista sejam imprescritíveis por se tratarem de direitos fundamentais. A documentação reunida na etapa extrajudicial será crucial para embasar o processo judicial. Além disso, laudos médicos detalhados e atualizados, com a CID do autismo (F84.0 a F84.9) e a justificativa clínica da necessidade do tratamento ou serviço, são indispensáveis. A comprovação da recusa também é vital, seja por meio de protocolos, e-mails, gravações (com prévia autorização) ou testemunhas.
Após a obtenção de uma decisão judicial favorável, seja uma liminar ou uma sentença, é essencial o acompanhamento para garantir o seu cumprimento. Em caso de descumprimento, o advogado deve peticionar ao juiz, solicitando a execução da decisão e a aplicação de multas ou outras medidas coercitivas.
A luta pela garantia dos direitos da pessoa autista pode ser desafiadora, mas o conhecimento da legislação e a atuação estratégica são ferramentas poderosas. A persistência em buscar os caminhos adequados, seja na esfera extrajudicial ou judicial, é fundamental para que as pessoas autistas possam ter seus direitos respeitados e garantidos, promovendo sua plena inclusão e qualidade de vida na sociedade.
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