A mobilidade urbana é um direito fundamental, e para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o acesso facilitado ao transporte público é crucial para a inclusão social e o exercício da cidadania. No Brasil, diversas leis e regulamentos visam garantir que autistas e seus acompanhantes tenham condições adequadas de locomoção, incluindo a previsão de vagas especiais e a gratuidade. Este artigo aborda a visão jurídica sobre esses direitos, detalhando como eles são assegurados e quais são os mecanismos para sua efetivação.
O reconhecimento do autista como pessoa com deficiência
A pedra angular dos direitos dos autistas no transporte público reside na Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana. Este diploma legal é um marco por reconhecer o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. Essa equiparação é de suma importância, pois automaticamente estende aos autistas todas as garantias e benefícios previstos na legislação brasileira para pessoas com deficiência, incluindo aqueles relacionados ao transporte.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), o Estatuto da Pessoa com Deficiência, reforça e detalha esses direitos, estabelecendo a base para a criação de políticas públicas e a garantia de acessibilidade em todos os setores da sociedade, incluindo o transporte.
Gratuidade no transporte público
A gratuidade no transporte público é um dos direitos mais relevantes para pessoas com deficiência, e, por consequência, para autistas. Essa garantia abrange diferentes modais, como ônibus, metrô, trens e, em alguns casos, transporte intermunicipal e interestadual. A legislação que assegura esse direito varia conforme a esfera de governo (municipal, estadual e federal) e o tipo de transporte.
Em nível federal, a Lei nº 8.899/1994, que concede passe livre às pessoas com deficiência comprovadamente carentes no sistema de transporte coletivo interestadual, é um exemplo. Contudo, a maior parte das regulamentações sobre gratuidade no transporte urbano e metropolitano provém de leis estaduais e municipais. Para ter acesso à gratuidade, é geralmente necessário possuir um cartão específico, emitido pelas empresas ou órgãos gestores do transporte, mediante apresentação de laudo médico que comprove o TEA e, em alguns casos, comprovante de renda familiar.
É importante ressaltar que a gratuidade pode se estender ao acompanhante do autista, especialmente quando a condição da pessoa com TEA exige assistência constante para a locomoção e segurança. A necessidade de acompanhante deve ser atestada em laudo médico.
Vagas especiais em estacionamentos
O direito a vagas especiais em estacionamentos é uma medida essencial para garantir a acessibilidade e a segurança de pessoas com deficiência, incluindo autistas. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) preveem a reserva de vagas para pessoas com deficiência em estacionamentos públicos e privados, devidamente sinalizadas.
Para utilizar essas vagas, o veículo deve exibir a credencial de estacionamento para pessoas com deficiência, que é emitida pelos órgãos de trânsito municipais ou estaduais (DETRANs). O processo de solicitação da credencial geralmente exige a apresentação de laudo médico que comprove o TEA e documentos pessoais. A utilização indevida dessas vagas constitui infração de trânsito, sujeita a multa e remoção do veículo, reforçando a seriedade da norma.
Atendimento prioritário e a fila da preferência
Além das vagas e da gratuidade, autistas e seus acompanhantes têm direito a atendimento prioritário em diversos locais, incluindo terminais de transporte público, bilheterias e no embarque e desembarque. A Lei nº 10.048/2000 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência garantem esse direito, visando reduzir o tempo de espera e o estresse que situações de aglomeração podem causar em pessoas com TEA, que frequentemente possuem sensibilidade sensorial aguçada.
A identificação do direito ao atendimento prioritário geralmente ocorre por meio da apresentação de documento de identificação da pessoa com TEA, como a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), instituída pela Lei nº 13.977/2020. Essa carteira simplifica a comprovação da condição de autista, agilizando o atendimento.
A carteira de identificação da pessoa com transtorno do espectro autista (ciptea)
A CIPTEA é um avanço significativo para a garantia dos direitos dos autistas. Sua criação visa facilitar a identificação da pessoa com TEA e, consequentemente, o acesso aos direitos prioritários, incluindo os relacionados ao transporte. A carteira é emitida pelos órgãos estaduais e municipais, mediante requerimento acompanhado de laudo médico.
A CIPTEA é válida em todo o território nacional e deve ser aceita como comprovante da condição de autista, dispensando a necessidade de apresentação de outros documentos comprobatórios para a obtenção de benefícios e a garantia de atendimento prioritário em serviços públicos e privados.
Fiscalização e penalidades por descumprimento
A efetividade dos direitos dos autistas no transporte público depende da fiscalização e da aplicação de penalidades para o descumprimento das normas. Órgãos de fiscalização de trânsito, agências reguladoras de transporte e o Ministério Público são responsáveis por garantir que as empresas e os operadores de transporte público cumpram a legislação.
O descumprimento das leis que garantem a gratuidade, o uso de vagas especiais ou o atendimento prioritário pode acarretar em multas e outras sanções para os infratores. Cidadãos e familiares de autistas que se sintam lesados em seus direitos devem denunciar a situação aos órgãos competentes, contribuindo para a conscientização e a aplicação da lei.
Desafios e a necessidade de conscientização
Apesar do arcabouço legal robusto, a efetivação dos direitos dos autistas no transporte público ainda enfrenta desafios. A falta de conhecimento por parte da população e, por vezes, dos próprios profissionais do transporte sobre a legislação aplicável ao TEA, a burocracia na emissão de documentos e a infraestrutura inadequada em alguns locais ainda são obstáculos.
A conscientização e a educação são ferramentas poderosas para superar esses desafios. Campanhas informativas, treinamentos para funcionários do transporte e a divulgação dos direitos podem contribuir significativamente para um ambiente mais inclusivo e acessível para autistas e seus acompanhantes.
O papel da família e da sociedade civil
A família de pessoas com autismo desempenha um papel fundamental na defesa e busca desses direitos. É a partir da informação e da atuação das famílias, muitas vezes articuladas em associações e organizações da sociedade civil, que as reivindicações por melhores condições de transporte e acessibilidade ganham força. A participação em conselhos e fóruns de discussão também é crucial para a construção de políticas públicas mais eficazes.
A sociedade como um todo também tem um papel vital. A empatia, o respeito e a compreensão das necessidades das pessoas com autismo são essenciais para construir um ambiente verdadeiramente inclusivo, onde a mobilidade não seja um obstáculo, mas sim uma ferramenta de liberdade e autonomia.
Considerações finais
Os direitos dos autistas no transporte público, incluindo vagas especiais e gratuidade, são conquistas importantes que refletem o avanço da legislação brasileira na garantia da inclusão e acessibilidade. A Lei Berenice Piana e o Estatuto da Pessoa com Deficiência são os pilares que sustentam essas prerrogativas, que são complementadas por leis e regulamentos específicos em níveis federal, estadual e municipal.
É fundamental que autistas, seus familiares e a sociedade em geral conheçam esses direitos e os mecanismos para sua efetivação.