Direitos de autistas no plano de saúde: como garantir cobertura e tratamento adequado

A inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sociedade passa, inegavelmente, pela garantia de acesso a serviços de saúde de qualidade. No Brasil, o plano de saúde desempenha um papel crucial nesse cenário, sendo fundamental compreender os direitos assegurados por lei para garantir cobertura e tratamento adequado. Este artigo detalha a visão jurídica sobre a matéria, oferecendo um guia completo para autistas e seus familiares.

A proteção legal e o autismo

A legislação brasileira tem avançado significativamente na proteção dos direitos das pessoas com autismo. A Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, foi um marco ao instituir a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e, o mais importante, ao reconhecer o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. Essa equiparação é fundamental, pois garante o acesso a todas as prerrogativas destinadas a pessoas com deficiência, incluindo aquelas relacionadas à saúde suplementar.

A Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, juntamente com as resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), estabelecem as regras para a cobertura dos planos de saúde. É nesse arcabouço que se inserem os direitos dos autistas à cobertura e tratamento.

Cobertura obrigatória e o rol da ans

Uma das principais garantias legais é a cobertura obrigatória de procedimentos e eventos em saúde. A ANS publica periodicamente o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os procedimentos cuja cobertura é garantida pelos planos de saúde. Esse rol é taxativo para o mínimo obrigatório, ou seja, as operadoras não podem negar cobertura para o que está listado. No entanto, é importante ressaltar que ele não é exaustivo, e a jurisprudência tem entendido que, em casos específicos, a cobertura pode ser estendida para além do rol.

Para o TEA, a cobertura obrigatória inclui terapias multidisciplinares como fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, psicologia (com abordagens como ABA – Análise do Comportamento Aplicada), entre outras, desde que prescritas pelo médico assistente. A limitação de sessões para essas terapias, prática comum no passado, tem sido amplamente rechaçada pelos tribunais, que entendem que a definição da necessidade e quantidade de sessões é do profissional de saúde, e não da operadora.

Negativa de cobertura: o que fazer

A negativa de cobertura por parte da operadora de plano de saúde é, infelizmente, uma realidade. Ao se deparar com uma negativa, é fundamental que o beneficiário ou seu representante legal siga alguns passos importantes. Primeiramente, solicite a negativa por escrito, com a justificativa expressa da operadora. Esse documento é crucial para as próximas etapas.

Com a negativa em mãos, é recomendável buscar orientação jurídica especializada. Um advogado com experiência em direito da saúde poderá analisar o caso, verificar se a negativa é abusiva e, se for o caso, tomar as medidas cabíveis.

Ação judicial como último recurso

Em muitos casos, a via judicial torna-se o único caminho para garantir o acesso ao tratamento. As ações judiciais contra planos de saúde são comuns e, em grande parte dos casos envolvendo autismo, a jurisprudência tem sido favorável aos beneficiários. Os tribunais têm entendido que a saúde é um direito fundamental e que as operadoras não podem impor limitações que comprometam o tratamento e o desenvolvimento da pessoa com TEA.

É possível ingressar com uma ação judicial buscando a cobertura do tratamento, o reembolso de valores já gastos (em casos de urgência ou de negativa abusiva seguida de tratamento particular) e, em algumas situações, até mesmo indenização por danos morais. Muitas vezes, é solicitada uma tutela de urgência (liminar), que é uma decisão judicial provisória que obriga a operadora a custear o tratamento de imediato, devido à natureza urgente e contínua das terapias para o autismo.

O laudo médico e o relatório terapêutico

A documentação médica e terapêutica é de suma importância para a defesa dos direitos do autista junto ao plano de saúde, seja na via administrativa ou judicial. O laudo médico, emitido por profissional habilitado, deve atestar o diagnóstico de TEA e a necessidade das terapias indicadas, detalhando a abordagem e a frequência necessárias.

Complementarmente, os relatórios terapêuticos elaborados pelos profissionais que acompanham o autista (fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, etc.) são essenciais. Esses relatórios devem descrever o plano de tratamento, a evolução do paciente e a importância da continuidade das terapias para o seu desenvolvimento. Quanto mais completos e detalhados forem esses documentos, maior a chance de sucesso na garantia da cobertura.

Redes credenciadas e o direito à escolha

A operadora de plano de saúde é obrigada a oferecer uma rede credenciada de profissionais e clínicas aptas a atender às necessidades dos autistas. No entanto, nem sempre essa rede é suficiente ou especializada na abordagem do TEA. Em casos onde a rede credenciada não oferece o tratamento adequado ou não possui profissionais especializados na abordagem específica necessária (como ABA, por exemplo), o beneficiário tem o direito de buscar o tratamento fora da rede e exigir o reembolso integral dos valores gastos.

A jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a operadora não pode se eximir de sua responsabilidade sob o pretexto de que o tratamento não está disponível em sua rede, especialmente quando se trata de condições que exigem abordagens especializadas e contínuas como o autismo.

Reajustes e a sustentabilidade do tratamento

Os planos de saúde estão sujeitos a reajustes anuais autorizados pela ANS, além de reajustes por faixa etária. É importante que os beneficiários fiquem atentos a esses reajustes, que podem impactar a capacidade de manutenção do plano. Em casos de reajustes abusivos, é possível questioná-los administrativamente junto à ANS ou judicialmente.

A sustentabilidade do tratamento a longo prazo é uma preocupação constante para as famílias de autistas. Por isso, a compreensão dos direitos e a busca por assistência jurídica são cruciais para garantir que o acesso ao tratamento não seja interrompido por questões financeiras ou por negativas indevidas das operadoras.

Considerações finais

A garantia de cobertura e tratamento adequado para autistas no plano de saúde é um direito fundamental que encontra respaldo na legislação e na jurisprudência brasileira. A Lei Berenice Piana, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Planos de Saúde e as regulamentações da ANS formam o arcabouço jurídico que protege as pessoas com TEA.

É imprescindível que autistas e seus familiares conheçam seus direitos, mantenham a documentação médica e terapêutica em dia e, se necessário, não hesitem em buscar auxílio jurídico especializado para assegurar o acesso a um tratamento digno e essencial para o pleno desenvolvimento da pessoa com autismo. A luta pela inclusão e pelo respeito à dignidade humana passa, inexoravelmente, pela efetivação desses direitos.

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